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A construção do tanque de água

Faz um bom tempo que estamos a tentar chegar a um acordo com a comunidade de Hlalameta para construirmos, juntos, um tanque que servirá para depositar a água potável, tanto para as necessidades do nosso projeto bem como para essa comunidade.

Aqui em Timor, o ritmo de se fazer as coisas é neneik-neneik que quer dizer: devagar-devagar, ou seja; a “passo de caracol”, pois até se chegar à fase de se meter a “mão na massa” temos que passar por uma série de reuniões para se chegar a um acordo com respeito ao projeto a ser realizado e mais reuniões, ainda, para se planearem os detalhes, os pormenores, etc… enfim, uma autêntica telenovela mexicana; dizem que se sabe quando começa, mas quanto ao resto…enfim!

Só para terem uma ideia; cheguei a falar, em três ocasiões diferentes, com o dono e o filho do terreno vizinho, pois como é mais elevado que o nosso com cerca de 3 metros, concordámos que era o ideal para se construir o tanque para assegurar uma pressão maior para a saída da água. Depois de muitas argumentações finalmente chegámos a um acordo e eu fiz um documento de colaboração, em três exemplares, que deveria ser assinado por mim, como representante da Fundação Viva Melhor, que oferecia a água e a grande maioria dos materiais para a construção do tanque, pelo dono do terreno que oferecia 3m² do mesmo, e pelo Chefe da aldeia, como autoridade local, que se comprometia a assegurar a mão de obra necessária para a realização desse projeto. Depois de assinar e entregar os respetivos documentos ao filho do dono do terreno ficámos combinados que em alguns dias ele trataria de assinar o documento, levá-lo-ia  para ser assinado pelo Chefe do suco e depois haveria de me entregar um exemplar, para que cada uma das partes envolvidas, nesse projeto, ficasse com um documento do respetivo acordo.

Depois de aproximadamente 30 dias, como o filho do dono do terreno não me entregou nenhum documento, decidi que não podia perder mais tempo e falei com o filho do Chefe da aldeia para avançarmos e combinámos para se formar uma equipa de trabalho composta pelo filho do dono do terreno, por outro jovem que percebe de pedreiro e por outros dois jovens serventes e acertámos que, no dia seguinte, haveríamos de nos encontrar, no local, para iniciar o nosso trabalho.

No dia seguinte, vieram apenas os dois serventes e abriram uma parte da vala para a fundação. Ao perguntar pelo filho do dono do terreno eles disseram-me que não sabiam nada acerca dele. Nos próximos 3, 4 dias não  apareceu mais ninguém e apenas duas semanas mais tarde conseguiram concretizar a abertura da vala para a  fundação e para a placa do solo. Fiz um apelo aos serventes para avisarem tanto o jovem pedreiro, bem como o filho do dono do terreno para que no dia seguinte começassem a encher a fundação e fixar a estrutura de ferro para a construção dos pilares. No dia seguinte, apareceram os dois serventes e o pedreiro e quando perguntei pelo filho do dono do terreno responderam-me que ele estava numa pequena aldeia na montanha para fazer um ritual de cultura, com a família. Nesse dia, a equipa de trabalho conseguiu encher a fundação e fixaram o ferro armado também.

Para minha grande surpresa, no dia seguinte, fui informado que a equipa não podia continuar o trabalho, porque o dono do terreno não tinha autorizado a construção do tanque, no seu terreno. Desloquei-me, de imediato, ao local e encontrei a equipa de trabalho contrariada com essa situação e o dono do terreno inflexível na sua determinação em não reconhecer que tinha dado a autorização para a construção do tanque no seu terreno. Fiquei muito intrigado e muito revoltado, no meu intimo, pela atitude desonesta desse homem… Tentei lembrar-lhe, através de um tradutor, que pelo menos em duas ocasiões distintas, quando estava juntamente com o seu filho, nós tínhamos concordado para fazermos em conjunto esse tanque de água no terreno deles e por duas vezes tinham aceite e ele respondeu-me que nunca tinham autorizado essa construção. Ao compreender que não adiantava insistir disse-lhe que se ele não queria mais respeitar a sua palavra, então eu desistia desse plano e que haveria de construir o tanque no nosso terreno, mas nesse caso a comunidade não tinha mais acesso à água, devido ao desnível em que se encontra o mesmo. Como vi que nem esse argumento final lhe demovia a sua teimosia, então decidi que estava na hora certa de abandonar a cena e fui-me embora num misto de tristeza, contrariedade e amargura pensando na desonestidade,  na falta de caráter e não cumprimento pela palavra dada que algumas pessoas demonstram…

Estava mesmo decidido a fazer a construção no nosso terreno, mas ao pensar que futuramente a comunidade, para ter acesso a água, deveria comprar uma bomba para a conseguir empurrar e levá-la para as suas casas, então pensei que deveríamos achar outra solução e, juntamente com o filho do chefe da aldeia, achámos que o terreno ao lado desse, onde tínhamos começado essa fundação, era ideal para se construir o tanque. Ficámos combinados que ele haveria de falar com o dono desse terreno e que depois haveria de me informar acerca da sua resposta. Dias mais tarde informou-me que esse senhor tinha concordado e depois de mais alguns bons dias, finalmente, encontrámo-nos no local para estabelecermos o sítio exato onde deveríamos contruir o nosso tão almejado tanque. Depois de falarmos, estabelecemos as cláusulas do nosso acordo mútuo e fiquei de redatar o documento do acordo de colaboração e entregar-lhe para ser devidamente assinado pelas partes envolvidas. No dia seguinte, fiz em triplicado esse documento e depois de assinado por mim, como representante da nossa Fundação,  entreguei-o ao filho do chefe da aldeia para o dar ao dono do terreno e ao chefe da aldeia para o assinarem. Passada uma semana liguei-lhe para perguntar se tinha conseguido entregar o documento e ele respondeu que seidauk, que quer dizer: ainda não… Roguei-lhe para ir à montanha, a casa do nosso homem, para conseguirmos o mais breve possível essa assinatura para possibilitar o início dos nossos trabalhos, pois dessa vez aprendi a amarga lição e não queria mais começar nenhuma obra até termos os documentos assinados.

Passou mais uma semana, liguei novamente ao filho do chefe da aldeia para saber em que ponto estava a situação e ao compreender que ele não tinha resolvido nada, ainda, decidi que deveria voltar a fazer uma última tentativa junto ao primeiro dono do terreno para descartar para sempre essa hipótese, pois nessas últimas semanas algo em mim me dizia que, talvez, poderíamos chegar a um acordo… e assim foi!

No domingo seguinte, juntamente com o meu tradutor, fomos visitar esse senhor e encontrámos, também, o seu filho com o qual tínhamos chegado, inicialmente, ao primeiro acordo. Depois de recordar-lhes as duas ocasiões em que tínhamos concordado acerca do plano de fazer esse tanque no seu terreno, fiquei muito surpreso ao constatar que eles estavam de acordo, mas com a condição de ser o filho dele a dirigir aqueles trabalhos e pretendia que eu lhe pagasse os dias de trabalho, embora o nosso acordo previa que essa obra fosse executada gratuitamente por uma equipa de voluntários da comunidade… Enfim, compreendi que se queria oferecer à comunidade o acesso à tão necessária água, então devia condescender e fazer esse compromisso e, finalmente, depois de concordarmos, pedi-lhes que assinassem o documento e combinámos começar o trabalho no dia seguinte.

Há semanas atrás, numa segunda feira, começaram o trabalho, o filho do dono do terreno e mais dois rapazinhos. Perguntei-lhe onde estava a equipa da comunidade que ele tinha dito que arranjava e ele disse que a maioria estava ocupada com os seus trabalhos, mas que haveriam de aparecer nos dias seguintes. Naquela semana só apareceu um rapaz da comunidade para ajudar por alguns dias e na semana passada, durante 3 dias, veio mais um, para substituir o primeiro, e até ao final dessa semana não apareceu mais ninguém.

Compreendi que a comunidade soube que eu pagava ao filho do dono da terra para fazer esse trabalho e a partir dessa altura mais ninguém apareceu para trabalhar, pois estavam à espera de receber algum dinheiro, também. Então decidi que, se queria que o trabalho avançasse deveria colocar à frente do projeto o meu rapaz de confiança, que é carpinteiro, e que percebe, também, de construção civil.

O Jacó, a minha mão direita, orientou o trabalho e conseguiu fazer juntamente com o Carlito, o filho do dono da terra, a laje e soldar o ferro para a estrutura da placa. Hoje, finalmente, concretizaram essa etapa preparatória e segunda-feira será o grande dia para enchermos a placa do primeiro andar.

Uma das mais importantes coisas que aprendi, na minha jornada por Timor, foi, sem dúvida, a conclusão a que Thomas Edison chegou: “Nossa maior fraqueza está em desistir. O caminho mais certo de vencer é tentar mais uma vez”.

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